Projeto de Lei
PROJETO DE LEI Nº 2891/2020
EMENTA:
INSTITUI O PROGRAMA PERMANENTE DE ENFRENTAMENTO AO RACISMO NAS ESCOLAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. |
Autor(es): Deputados DANI MONTEIRO; MÔNICA FRANCISCO; RENATA SOUZA; FLAVIO SERAFINI; ELIOMAR COELHO; WALDECK CARNEIRO
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RESOLVE:
Art. 1º Fica instituído o programa permanente de enfrentamento ao racismo nas escolas públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro.
Parágrafo único. Compreendem-se como manifestações do racismo, o preconceito e a discriminação racial ou étnico-racial fundada em distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, religião, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada, nos termos da Lei nº 7.716, de 05 de Janeiro de 1989, e da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010.
Art. 2º Por meio deste programa serão realizadas as seguintes ações nas escolas públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro:
I) Ciclos de debates públicos e projetos pedagógicos bimestrais ou trimestrais, envolvendo toda a comunidade escolar, tendo entre outros focos as seguintes prioridades temáticas:
a) História e cultura dos povos indígenas e da diáspora afro brasileira, em correlação com outros movimentos diaspóricos africanos no entorno do mundo;
b) Formação das relações étnico-raciais no Brasil, compreendendo os debates sobre negritude e branquitude;
c) Conscientização e sensibilização sobre formas de produção e reprodução do racismo, com destaque para as intersecções do racismo com outros sistemas de opressão baseados nas desigualdades territoriais e regionais, gênero, orientação sexual, entre outras formas de opressão e exploração;
d) Enfrentamento ao racismo estrutural, institucional e interpessoal;
e) Agendas e políticas de ações afirmativas para os direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais, dispostos na Constituição Federal, demais legislações internas e tratados e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário - em especial as relacionadas ao direito à educação.
II) Consulta semestral ao corpo docente e discente sobre o programa permanente de enfrentamento ao racismo através de instrumentos de coleta, indicadores e metas definidas por Grupo de Trabalhos criado entre Comissão de Educação da ALERJ, o Fórum Permanente de Diálogo com as Mulheres Negras na ALERJ e representações da sociedade civil organizada no enfrentamento ao racismo e opressões correlatas;
III) Campanha permanente de sensibilização sobre o racismo, seus impactos nas vítimas e responsabilizações cíveis e criminais previstas na legislação brasileira, por meio da afixação de cartazes que contenham dados estatísticos atualizados sobre as evidências do racismo estrutural no Brasil, incluindo as dimensões da segurança pública, violência estatal, participação em espaços de poder e decisão, acesso a renda, a educação formal, que contenham:
a) Dados relacionados às dimensões de justiça criminal, sistema prisional e socioeducativo, violência doméstica e familiar, segurança pública e violências institucionais, em especial aquelas perpetradas pelo Estado;
b) Dados relacionados à participação e representação política e em espaços de poder e decisão;
c) Dados relacionados ao acesso a renda e acesso aos direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais, dispostos na Constituição Federal, demais legislações internas, tratados e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, tendo por foco os dados de acesso ao direito à educação;
d) Dados que apresentem as intersecções do racismo com outros sistemas de opressão baseados nas desigualdades territoriais e regionais, de gênero, identidade de gênero, orientação sexual, outras opressões e formas de exploração.
IV) Consolidação de memória e arquivos em diversos formatos e mídias nas instituições escolares, acessíveis para toda a comunidade escolar, com registros fotográficos e históricos de profissionais, pesquisadoras(es), artistas, atletas, ativistas, militantes, líderes comunitárias(os) e religiosos negras e negros das mais diversas áreas, com informações sobre suas ações relevantes para a sociedade brasileira em seu campo de atuação, reforçando ações e expressões positivas de personalidades negras;
V) Disposição dos principais dispositivos legais das leis antidiscriminatórias no Brasil;
VI) Divulgação de materiais didáticos e pedagógicos, como conteúdos adequados ao disposto na Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e na Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008;
VII) Formação docente continuada, de caráter teórico-prático, aos professores e equipe técnico-pedagógica sobre a História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena;
VIII) Formação do corpo docente, técnico-pedagógico e administrativo sobre as formas de acolhimento, tratamento e encaminhamento dos casos de discriminação racial e outras expressões e efeitos do racismo aos órgãos de proteção da infância e juventude e ao corpo técnico das instituições educativas;
IX) Disponibilização de material didático pedagógico e a inclusão de leituras obrigatórias que contemplem a história afro-brasileira e indígena, destacando a contribuição de escritores negros e indígenas;
X) Fomento à articulação da escola com os equipamentos educativos, culturais e esportivos que preservem a história da população afrodescendente e indígena no Estado do Rio de Janeiro, estimulando-se o trabalho de campo;
XI) Formação de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros nas unidades escolares, no qual estudantes, professores e demais membros da comunidade escolar se reunirão frequentemente para estudarem e desenvolverem políticas pedagógicas de combate e enfrentamento ao racismo.
Parágrafo único. Todas as ações propostas neste artigo tem por objetivo atender às disposições contidas na Constituição Federal, em seu artigo 3º, inciso IV, na Lei 12.288, de 20 de Julho de 2010 e na Lei 10.639, de 09 de Janeiro de 2003, evidenciando as intersecções do racismo com outros sistemas de opressão baseados nas desigualdades territoriais e regionais, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, outras opressões e formas de exploração.
Art.3º Os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) escolares devem, por meio desta lei, incluir o enfrentamento ao racismo em seus planos por meio de ações teórico-práticas, orientadas pelos marcos legais da Lei nº 10.639/2003, da Lei nº 11.645/2008 e da presente lei.
Art. 4º As escolas deverão estabelecer um conselho permanente de acompanhamento, orientação e partilha sobre as ações de enfrentamento ao racismo na comunidade escolar.
Parágrafo Único. O conselho permanente deverá promover atividade anual com a presença dos responsáveis dos estudantes e dos órgãos de proteção da infância e juventude para apresentação dos resultados e desafios do Programa.
Art. 5º As escolas públicas e privadas deverão promover o respeito e a valorização dos símbolos e tradições das religiões de matriz africana, estimulando a tolerância, a liberdade e a diversidade religiosa, bem como assegurar a liberdade de culto e o respeito aos adereços religiosos utilizados pelos docentes e discentes no interior das instituições.
Art. 6º As escolas, públicas e privadas, poderão realizar convênio com universidades públicas, organizações da sociedade civil e órgãos de proteção da infância e juventude que debatam racismo e temas correlatos para elaboração e desenvolvimento das ações do Programa.
Art. 7º As despesas decorrentes desta Lei correrão por dotação orçamentária própria, suplementada se necessário.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 16 de julho de 2020.
DANI MONTEIRO MÔNICA FRANCISCO
RENATA SOUZA FLÁVIO SERAFINI
ELIOMAR COELHO WALDECK CARNEIRO
JUSTIFICATIVA
As recentes denúncias de diversos casos de discriminação racial no âmbito das escolas públicas e particulares no Estado do Rio de Janeiro expressa a permanência da desigualdade racial nas instituições de ensino estaduais e na sociedade fluminense, apresentando desafios ainda atuais para o enfrentamento da discriminação racial, nos termos das Leis nº 7.716/1989 e nº 12.288/2010, e a efetivação de políticas públicas antirracistas consagradas em dispositivos internacionais e legislações federais.
Em recentes dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE, 2015), destaca-se que 30% da população negra ainda não completa o Ensino Fundamental no tempo regular (antes dos 16 anos), além de apenas 56,8% da população preta e 57,8% da população parda entre 15 e 17 anos permanecer no Ensino Médio. Não obstante, segundo o Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2015), apenas um quarto das escolas brasileiras pautam o racismo nas suas ações pedagógicas, além de 4 em 10 instituições não debater a desigualdade social e 52% não abordar a diversidade religiosa. Portanto, o cotidiano escolar ainda apresenta diversos desafios para implementação e efetivação da Lei nº 10.639/2003, que determina a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, e da Lei nº 11.645/2008, que inclui o ensino da História Indígena no currículo oficial da rede de ensino.
Na pesquisa "Relações raciais na escola: reprodução de desigualdade em nome da igualdade", desenvolvida pelo Inep em conjunto com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), destaca-se que o racismo presente nas relações entre estudantes e professores ainda exige atenção das escolas brasileiras, uma realidade que precisa ser reconhecida e demanda a responsabilidade dos estabelecimentos de ensino para enfrentar as diversas formas de manifestação do racismo, sendo incluídas nos currículos pedagógicos e promovendo formação que envolva toda a comunidade escolar, não podendo ser tratadas como problemas individuais ou que são abordados em determinadas datas.
Diante dos desafios colocados, a presente proposição visa instituir o Programa Permanente de Enfrentamento ao Racismo nas Escolas Públicas e Privadas do Estado do Rio de Janeiro, buscando promover diversas ações, como ciclos de debates, campanhas de sensibilização sobre o racismo e seus impactos, formação continuada do corpo docente e equipe técnico-pedagógica sobre a História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, criação de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, fomento à articulação com os equipamentos culturais e educativos que preservem a história da população afrodescendente e indígena, disponibilização de materiais pedagógicos e livros didáticos em consonância com as Diretrizes Curriculares para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e indígenas (Resoluções nº 04/2004 e nº 05/2012, ambas do Conselho Nacional da Educação), dentre outras, buscando criar mecanismos de construção de uma sociedade racial e socioeconomicamente mais justa.
Legislação Citada
Atalho para outros documentos
Informações Básicas
Código | 20200302891 | Autor | DANI MONTEIRO, MÔNICA FRANCISCO, RENATA SOUZA, FLAVIO SERAFINI, ELIOMAR COELHO, WALDECK CARNEIRO |
Protocolo | 19975 | Mensagem | |
Regime de Tramitação | Ordinária | | |