Aguarde, carregando...Aguarde, carregando o conteúdo

Projeto de Lei


PROJETO DE LEI4312/2021
            EMENTA:
            DISPÕE SOBRE A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO VIOLÊNCIA E GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE MANIFESTAÇÕES E EVENTOS PÚBLICOS, BEM COMO NA EXECUÇÃO DE MANDADOS JUDICIAIS DE MANUTENÇÃO E
            REINTEGRAÇÃO DE POSSE NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Autor(es): Deputado RENATA SOUZA

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RESOLVE:
Art. 1º Esta Lei visa garantir a observância de direitos humanos e a aplicação do princípio da não violência no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais ou decisões administrativas de manutenção e reintegração de posse.

Parágrafo único. A atuação do Poder Público deverá assegurar a proteção da vida, da incolumidade das pessoas e dos direitos de livre manifestação do pensamento e de reunião essenciais ao exercício da democracia.

Art. 2º Fica proibido o porte de armas de fogo com ou sem munição menos letal pelos agentes de segurança pública e guardas municipais, durante a realização de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais ou decisões administrativas de manutenção e reintegração de posse, devendo os agentes do Poder Público orientarem as suas atuações por meios não violentos.

§ 1º Não devem ser utilizadas, em nenhuma hipótese, em manifestações e eventos públicos, nem na execução de mandados judiciais ou decisões administrativas de manutenção e reintegração de posse, as seguintes armas, entre outras:
I- Armas que possam causar lesões corporais graves e até a morte, como a arma de eletrochoque, com munição de borracha, plástico, com conteúdo químico e outras de igual ou maior potencial ofensivo;
II- Bombas de efeito moral e quaisquer outras armas que tenham a função de atingir indiscriminadamente a população, provocando dispersão generalizada;
III- Armas químicas, como o gás lacrimogêneo e similares, sejam em forma de granadas ou de munições para armas de disparo.

§ 2º Não deverão, em nenhuma hipótese, ser utilizadas por agentes do Poder Público armas contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos.

Art. 3º As atividades exercidas por repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação ou quaisquer cidadãos no exercício dessas atividades são essenciais para o efetivo respeito ao direito à liberdade de expressão e informação, no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na cobertura da execução de mandados judiciais o u d e c i s õ e s a d m i n i s t r a t i v a s de manutenção e reintegração de posse.

§ 1º Os repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação, bem como quaisquer cidadãos no exercício dessas atividades, devem gozar de especial proteção em sua atuação, sendo vedado qualquer óbice a ela por parte de agentes do Estado, em especial em relação ao uso da força.

§ 2º É vedado aos agentes do Estado destruir, danificar ou apreender à força, ainda que temporariamente ou para fins de investigação, os instrumentos utilizados por comunicadores profissionais ou amadores, tais quais câmeras e
celulares, ou os materiais produzidos por eles.

Art. 4º Os profissionais de saúde que estejam prestando serviços de primeiros socorros, ou em plantão para prestá-los, devem gozar de especial proteção no exercício de suas atividades, sendo vedado qualquer óbice à sua atuação por parte de agentes do Estado, em especial mediante uso da força.

Art. 5º Nas manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais ou decisões administrativas de manutenção e reintegração de posse, os agentes do Poder Público deverão contar com, pelo menos, 01 (um) especialista em mediação e negociação.

Art. 6º Os agentes da segurança pública deverão garantir a livre atuação e manter diálogo permanente com todos os Observadores dos Direitos Humanos durante o exercício das atividades sobre que dispõe esta lei, visando à mediação e solução pacífica dos conflitos e, no caso da necessidade de uso da força, sua conformidade com os direitos humanos.

§ 1º São considerados Observadores dos Direitos Humanos, para fins desta lei, entres outros:
I- O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro;
II-A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro;
III- A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);
IV- A Organização das Nações Unidas (ONU), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e outros organismos multilaterais do qual o Estado do Brasil faça ou venha fazer parte;
V- Representantes das Universidades e de centros de pesquisa;
VI- Entidades da sociedade civil de defesa dos direitos humanos;
VII- Observadores voluntários organizados para exercer a função de Observadores dos Direitos Humanos, e que se identifiquem como tal.

§ 2º Todos os Observadores dos Direitos Humanos devem gozar de especial proteção no exercício de suas atividades, sendo vedado qualquer óbice à sua atuação por parte de agentes do Estado, em especial mediante uso da força.

Art.7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 08 de junho 2021.


RENATA SOUZA
Deputada Estadual

JUSTIFICATIVA

Trata-se de projeto de lei que dispõe sobre a aplicação do princípio da não violência e garantia dos direitos humanos no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais ou decisões administrativas de manutenção e reintegração de posse.
O objetivo é orientar a atuação dos agentes de segurança pública a partir dos princípios mais basilares do Estado Democrático de Direito,
superando-se o paradigma da “doutrina da segurança nacional” da ditadura civil-militar que foi consolidada entre 1964 e 1985. Esse paradigma tem como pedra angular a arraigada premissa – inconstitucional e antidemocrática – de que o cidadão portador de determinadas identidades (em especial o jovem negro, o “favelado”, o imigrante, o manifestante) é inimigo a ser controlado e até mesmo combatido, e não sujeito portador de direitos que devem ser garantidos1.

Considerando esse cenário e a necessidade de sua superação, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) aprovou a Resolução Nº 6, de 18 de junho de 2013 com recomendações “para garantia de direitos humanos e aplicação do princípio da não violência no contexto das manifestações e eventos públicos, bem como na execução dos mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse”2.

O presente projeto de lei toma a Resolução do CDDPH como sua base principal. Consideramos que tais normas devem se tornar lei, para superar o
status de “recomendações” e adquirir força cogente, imperativa, ante sua importância social e o fato de se ampararem no sistema constitucional e
internacional de proteção aos direitos humanos.

Incorporamos ao texto deste projeto de lei, pois, recomendações do CDDPH.
1. Proibição do uso de armas de fogo no contexto das atividades que são objeto desta norma. Não podemos admitir a repetição de cenas como as que tiveram lugar na cidade de Recife no último dia 29 de maio de 2021 onde dois homens perderam a visão de um olho após serem atingidos por tiros de bala de borracha disparados durante as manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro3.
O protesto na capital pernambucana foi encerrado com bombas de gás lacrimogêneo, tiros de balas de borracha e correria nas ruas do centro. O adesivador Daniel Campelo da Silva, 51 anos, e o arrumador Jonas Correia de França, 29, foram atingidos no rosto por balas de borracha disparadas por policiais militares. Ambos tiveram lesões permanentes. Daniel, no olho esquerdo, e Jonas, no olho direito. Campelo trabalha adesivando táxis e estava no centro do Recife para comprar material, mas acabou sendo atingido por um dos disparos.

1.1 Inserimos no texto, assim, a proibição, nos contextos a que diz respeito o PL, do uso de armas de eletrochoque; armas de munição de
borracha; bombas de efeito moral; gás lacrimogêneo e outras armas químicas.
Já tramitam nesta Casa inúmeros projetos que visam proibir o uso de armas de eletrochoque em todo o território nacional. Na justificativa do PL 3.599/2012, por exemplo, o autor registra que no dia 18 de março de 2012, um estudante brasileiro foi morto na Austrália após receber choques com a arma; no dia 26 de abril, mais um cidadão faleceu em Florianópolis4 após ser atingido por um tiro de “taser” da polícia local. Ainda segundo a justificativa do projeto, a Anistia Internacional registra que, entre 2001 e o início de 2012, mais de 500 pessoas morreram nos Estados Unidos em consequência do uso desse tipo de armamento.
Logo após as manifestações de junho de 2013, a Agência Brasil noticiou que, em consequência da repressão policial à manifestação nas proximidades do Congresso Nacional, diversas pessoas ficaram feridas, tendo sido registrados pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) três casos de extrema gravidade, entre eles o seguinte5:
“Em mais um caso grave, uma pessoa apresentava traumatismo craniano. Os médicos do Samu localizaram uma bala de borracha presa no crânio. Ela foi levada para um hospital a fim de passar por uma cirurgia para a retirada do projétil. Também teve que ser transferido para um hospital,
devido à gravidade do ferimento, um manifestante com um corte na perna. Ele estava com hemorragia intensa. De acordo com o Samu, esses casos foram registrados antes da tentativa de invasão do Palácio do Itamaraty.”
Jorsevaldo Queiros, soldado da PM da Bahia, registra os graves danos causados por disparo de bala de borracha contra ele:
“No mês passado, durante a greve da PM em Salvador, levei um tiro de bala de borracha na cara. O soldado do Exército que disparou estava a 2 metros de mim. A força da pancada me jogou no chão, de onde levantei humilhado e com o rosto inchado, esfolado. A dor, que não é imediata, beira o insuportável nas horas seguintes. Ainda tomo analgésicos e não consigo abrir a boca completamente. Com dificuldade para comer, perdi 10 quilos em vinte dias. Criou-se um edema no local, um caroço duro e grande. O médico pediu uma tomografia para avaliar a gravidade da lesão. Disse que
vou precisar de uma cirurgia.”6
Milton Steinman, diretor da Unidade de Urgência e Emergência do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, relata sua experiência de
observação profissional dos danos causados por esse armamento:
“Já vi até fratura de tíbia, um de nossos ossos mais duros, causada por impacto de projétil de borracha. Essas balas são especialmente perigosas se atingirem o peito, onde as camadas de músculo e gordura são finas. O mais comum é que quebrem costelas. Mais raros, mas acontecem, são
hemorragias e pneumotórax (o acúmulo de ar entre o pulmão e uma membrana que reveste internamente a parede do tórax) causados pelo impacto.” 7
A matéria de Christian Carvalho Cruz no Estado de São Paulo registra, ainda:
“Num artigo de 2009 publicado no World Journal of Emergency Surgery, o cirurgião brasileiro João Rezende Neto, do Centro de Trauma do Hospital Risoleta Tolentino Neves, em Belo Horizonte, descreveu um caso em que a amarelinha, de 19 gramas, 6,5 centímetros de comprimento por 2,5 de
diâmetro, penetrou inteiramente no peito de um rapaz de 24 anos. Foi extraída por cirurgia. Na Irlanda do Norte, o berço da bala de borracha por assim dizer, 17 pessoas morreram atingidas por ela entre 1970 e 2005. Na Nature, um artigo de 2003 analisa ferimentos nos olhos provocados por balas de borracha no conflito palestino-israelense. A conclusão dos autores é a seguinte: ‘Balas de borracha é um termo enganoso. Elas podem causar grande variedade de lesões oculares. Fraturas orbitais são comuns. Os tecidos da órbita são facilmente penetrados. Se o globo ocular é atingido, ele raramente é recuperável’.”8

Na Espanha, 21 prefeituras assinaram moção de censura ao uso dessas armas, e se declararam “Municípios livres de balas de borracha”9.
No que tange à restrição do porte e uso de armas pelos agentes do Estado no contexto das atividades sobre que se busca legislar aqui, o projeto
ora apresentado proíbe também o emprego de bombas ditas de “efeito moral”.

No Rio de Janeiro, Hamilton Moraes, professor da rede estadual de ensino, protestava pacificamente quando foi ferido no olho por estilhaços de
bomba de gás10. Em Teresina, registrou-se dano ainda pior, no início de 2012: o estudante Hudson Silva Teixeira, que participava de protesto contra
o aumento da tarifa do transporte coletivo, teve um olho gravemente afetado (foi diagnosticado com cegueira temporária) por estilhaços de uma bomba “de efeito moral” que teria sido arremessada pela tropa de choque da Polícia Militar11.

Além disso, bombas não são armas adequadas para controlar eventuais abusos no interior de manifestações predominantemente pacíficas, pois elas terminam por dispersar amplos setores da manifestação em seu conjunto – além de não se poder evitar que atinja, descontroladamente, crianças e adolescentes, gestantes, idosos e deficientes, como se observou nitidamente recentemente no protesto realizado em Recife. Por último, no que diz respeito à proibição de armamentos, também se propõe a vedação ao uso de gás lacrimogêneo e outras armas químicas, nos contextos normatizados por este projeto. O gás lacrimogêneo pode ser gravemente lesivo à saúde, e até mesmo letal12. De acordo com a Revista Galileu, citando informações do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos:
“Quando uma pessoa é exposta ao gás CS [liberado pela bomba de gás lacrimogêneo], o nariz libera coriza, a boca e os olhos sofrem irritação, a pessoa baba, sente náuseas, tosse e asfixia. Porém, uma exposição prolongada de cerca de uma hora pode causar lesões na córnea, cegueira,
queimaduras avançadas na garganta e nos pulmões e asfixia completa.”13

A matéria registra, ainda: “Um número considerável de mortes relacionadas a bombas de gás lacrimogêneo já foi registrado. Uma mulher de 36
anos morreu por insuficiência respiratória e parada cardíaca durante um protesto na Palestina, em 2012. No Bahrein, 36 mortes foram catalogadas (inclusive a de um garoto de 14 anos) pelo organização internacional Physicians for Human Rights, que ao lado da Facing Tear Gas e da Anistia
Internacional são as maiores ONGs à frente do confronto contra a bomba de gás, para a qual defendem o enquadramento como arma química.”
No dia 21 de junho de 2013, Cleonice Oliveira de Moraes, de 51 anos, funcionária da Prefeitura de Belém, faleceu após ter sofrido parada cardiorrespiratória, em decorrência de ter inalado gás lacrimogêneo e spray de pimenta utilizados pela PM para dispersar manifestação. Cleonice
estava no exercício de seu trabalho de gari durante o protesto contra o preço da tarifa de transporte coletivo da cidade. Passou mal, foi socorrida,
mas não resistiu14.

Leia-se, em matéria do Portal Terra, sobre outra arma química, o spray de pimenta:
“Considerado método de tortura pela Anistia Internacional, o spray de pimenta causa dor, ardência e irritação nos olhos e, em alguns casos, cegueira temporária. Estudos apontam que o gás também pode causar a morte de pessoas com asma, que tenham utilizado alguns tipos de drogas ou que sejam submetidas à asfixia. (...) Apenas nos Estados Unidos, cerca de 70 mortes já foram associadas ao uso do spray de
pimenta, de acordo com um relatório do Departamento de Justiça.” 15
Enfim, o uso dessas armas nesses contextos viola o direito constitucional e democrático de livre associação e manifestação de pensamento. Assim o assinalou a Defensoria Pública do DF, em Ação Civil Pública que pedia a proibição do uso de balas de borracha, armas de choque e bombas de efeito moral por parte do Estado como forma de debelar manifestações populares democráticas16, que podem ser politicamente indesejadas pelas autoridades responsáveis.

2. O PL estabelece o dever de os agentes do Estado garantirem a atuação dos profissionais da comunicação e de não criarem quaisquer
óbices, em especial mediante uso da força – conforme aconteceu, infelizmente, em várias manifestações recentes. Veja-se, por exemplo, esta
foto, que registra um PM atacando um cinegrafista durante manifestação em São Paulo, no dia 13 de junho de 2013:
Fonte: Portal UOL 17
Diversos relatos atestam que a imagem da foto não foi fato isolado: a PM teria tratado cinegrafistas e fotógrafos com violência nesse e em outros
dias, como se inimigos fossem. Além da matéria já citada do portal UOL, veja- se ainda, sem prejuízo de outras fontes:
- Portal UOL: “Vídeo mostra PMs agredindo e prendendo jornalista em protesto contra tarifa de transporte em SP” (sobre o protesto
do dia 11)18; “Repórter da TV Folha é atingida no olho por bala de borracha durante protesto em SP”19.
- Folha de São Paulo: “Em protesto, sete repórteres da Folha são atingidos; 2 levam tiro no rosto”20; “Vídeo mostra fotógrafo da
Folha após ser ferido em protesto21. - Estado de São Paulo: “Fotógrafo do ‘Estado’ foi atropelado pela polícia”22.
- CartaCapital: “Repórter de Carta Capital é detido por portar vinagre”23. - Portal Terra: “SP: fotógrafo do Terra é preso durante cobertura
de protesto”24; “Repórter do Terra é agredido pela PM em protesto em SP”25; “Repórteres da Folha levam tiros de borracha no rosto
em protesto”26; “PM inicia confronto, ataca imprensa e faz de SP palco de guerra”27; “SP: fotógrafo do Estado de S. Paulo é
atropelado por viatura em protesto”28. - Portal Pragmatismo Político: “Vídeo flagra espancamento de jornalista pela PM em manifestação”29; “O depoimento de Giuliana Vallone, jornalista atingida no olho pela PM”30. Em síntese, veja-se o saldo da autoritária e violenta atuação da PM de
São Paulo no dia 13 de junho de 2013, contabilizadas agressões e arbitrariedades apenas contra jornalistas: “De acordo com o Sindicato [dos Jornalistas], foram presos “arbitrariamente” o repórter Piero Locatelli, de Carta Capital, e Fernando Borges, do Terra. Ainda de acordo com o sindicato, 12 jornalistas foram vítimas de violência policial, mas “o número de vítimas, certamente, deve ser bem maior”.
Segundo levantamento, sofreram violência Vagner Magalhães, do Terra, Fernando Mellis, do R7, Gisele Brito, da Rede Brasil Atual, Leandro Morais, do UOL, e Fabio Braga, Marlene Bergamo, Félix Lima, Ana Krepp, Rodrigo Machado e Giuliana Vallone, da Folha de S. Paulo, além de Henrique Beirange e André Américo, do jornal Metro. Apesar de não ter sido citado, o fotógrafo Sérgio Silva, da agência Futura Press, foi atingido no olho esquerdo por um tiro de bala de borracha disparado pela Polícia Militar 33
.
Recentemente, a Vereadora do PT em Recife, Liana Cirne, foi agredida com spray de pimenta pela PM durante ato contra
Bolsonaro. As cenas são chocantes e mostram o risco do uso desse tipo de armamento em manifestações públicas31.

2.1 Considerando que têm o direito e a prerrogativa de contribuir para o direito à comunicação não apenas os profissionais da imprensa, mas
também cidadãos que fazem seus registros de forma amadora, também inserimos no projeto de lei o dever de os agentes do Estado
protegerem a atuação dessas pessoas, e não criarem óbices a ela.
2.2 Acrescentamos, ainda, o dever dos agentes do Estado garantirem a livre atuação e manterem diálogo permanente com todos os Observadores
dos Direitos Humanos durante o exercício de suas atividades. No Estado Democrático de Direito, a atuação dos agentes do Estado, e em especial
daqueles que portam armas, deve ser controlada tanto por agentes de outros órgãos do Estado, como pela própria sociedade. Por isso, o PL define como Observadores dos Direitos Humanos diversas entidades, estatais e não estatais, que têm a missão de defender os direitos humanos, quais sejam, entre outros: Ministério Público; Defensoria Pública; Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Organização das Nações Unidas (ONU) e outras
organizações internacionais de que o Brasil faz parte; Universidades e centros de pesquisas; entidades da sociedade civil de defesa dos direitos humanos; e observadores voluntários informalmente organizados para exercer a função de Observadores dos Direitos Humanos, e que se identifiquem como tal. Ministério Público e Defensoria Pública, além de diversas organizações não governamentais, já têm buscado exercer esse papel em diversos estados do Brasil 34

. A institucionalização trazida no projeto visa a reforçar a necessidade de respeito e proteção à atuação desses profissionais, bem como
o dever dos agentes políticos e policiais de dialogarem com eles. Além disso, apresentamos uma inovação, incluindo a previsão de que durante a
realização de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse, as autoridades públicas deverão contar com, pelo menos, um especialista em mediação e negociação.

No que diz respeito ao reconhecimento do papel dos “observadores voluntários”, trata-se da aplicação do princípio da segurança comunitária,
segundo o qual cabe a toda a sociedade ser agente e fiscal da segurança humana e cidadã. Há importantes experiências nesse sentido em diversos
lugares do mundo, em contextos análogos àqueles tratados neste projeto de lei. Cita-se, por exemplo, a experiência dos Observadores dos Direitos
Humanos do Chile, relatada em matéria do jornal The New York Times reproduzida em português em diversos veículos brasileiros32.

2.3 Ainda no que diz respeito à garantia de proteção especial a determinados grupos, o projeto garante que não devem ser criados óbices à atuação de profissionais de saúde que estejam prestando serviços de primeiros-socorros, ou em plantão, em prontidão para fazêlo.
Esse princípio básico até mesmo em guerras foi desrespeitado pela polícia na repressão violenta em diversas manifestações. Veja este depoimento dado à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais:
“O depoimento mais contundente foi dado pelo médico e professor universitário Giovano Iannotti, ainda na abertura da reunião. Ele, juntamente com a mulher, que também é médica, outros colegas de profissão e ainda estudantes do curso de Medicina, atuou como voluntário nos protestos de
22 junho de 2013. Ao tentar socorrer um rapaz com ferimentos graves que teria despencado de um viaduto na Avenida Antônio Carlos, ele diz ter sido impedido pelos militares, mesmo com todos os voluntários claramente identificados por jalecos brancos.
Até mesmo o posto improvisado de socorro montado na Avenida Abraão Caram foi, segundo ele, alvo das balas de borracha e do gás lacrimogênio, alguns dos disparos originados inclusive do interior dos campi da UFMG. Em desespero, o médico diz ter sido abordado por um homem
mascarado que estava em meio aos manifestantes e se identificou como policial. Esse mesmo indivíduo teria se prontificado a negociar um “cessar-fogo”, que permitiu o transporte do ferido até a área cercada pela PM.
‘Tão logo entrei na área isolada, as hostilidades recomeçaram. E lá um oficial da PM não permitiu que eu levasse o ferido para uma ambulância posicionada dentro da área isolada pela polícia. Ele disse que o veículo era somente para socorrer policiais feridos e não teve argumento que o
fizesse mudar de opinião. Não pude usar nem mesmo os equipamentos que estavam na ambulância, pois esse oficial
não deixou’, contou.” 33

3. O PL reproduz recomendação do CPDDH que proíbe agentes do Estado de utilizarem armas, nos contextos previstos no PL, contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos, pois são grupos em situação de maior vulnerabilidade à violência, ante suas
condições físicas e psíquicas.

4. O PL, tal como a supracitada Resolução do CPDDH, também diz respeito à execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse por compreender que também nesses contextos devem prevalecer os princípios da solução pacífica dos conflitos, da não-violência, uso da força como último recurso e de modo progressivo, da especial proteção aos grupos vulneráveis, da garantia do direito à comunicação e dos demais direitos humanos. Não se pode admitir a repetição de cenas fortíssimas de violência e desrespeito aos direitos humanos como, por exemplo, a da operação de reintegração de posse contra a comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), em 2012, e violenta do batalhão de choque da Polícia Militar, recentemente, na remoção de famílias catadoras de recicláveis residentes na Ocupação CCBB no Distrito Federal, deixando pessoas feridas. As famílias em estado de necessidade e os movimentos mediante os quais elas se organizam
merecem respeito, diálogo e ação garantidora de direitos por parte do Estado, e não violência policial.
Assinala-se que outros países já têm avançado nessa direção, a única compatível com a realização do Estado Democrático de Direito. É o caso, por
exemplo, da Argentina, conforme matéria de Chico Otavio e Cleide Carvalho no jornal O Globo34:
“Na Argentina, desde que os Kirchner chegaram ao poder, nos últimos dez anos, a política da Casa Rosada é proibir, seja qual for a dimensão dos protestos, qualquer tipo de ação policial violenta destinada a impedir piquetes ou passeatas, no estilo dos já tradicionais “panelaços”.
O governo Kirchner permitiu até mesmo o bloqueio durante mais de dois anos da ponte que une as cidades de Gualegaychú, na Argentina, e Fray Bentos, no Uruguay, ocupada por argentinos que estavam protestando pela construção de uma fábrica de celulose no país vizinho. O bloqueio afetou fortemente o turismo entre os dois países, mas o Executivo se manteve firme em sua decisão de não reprimir.”
Diante do exposto e da recorrente necessidade de enfrentarmos essa matéria, solicitamos o necessário apoio dos pares na aprovação da presente
matéria.

1 V., dentre outros. “Elemento Suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro” (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005), de Silvia Ramos e Leonarda Musumeci, que descreve e analisa a construção do “elemento suspeito de cor padrão”, mostrando como determinadas identidades sociais (e não atitudes) são criminalizadas – notadamente, a do jovem pobre e negro.
2 Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/30040772/do1-2013-06-19-resolucao-n-6-de-18-de-junho-de-2013-30040760
3 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/homem-perde-visao-de-um-olhoapos-
ser-atingido-por-bala-de-borracha-disparada-em-ato-contra-bolsonaro-no-recife.shtml?
origin=folha
4 Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/03/homem-morre-apos-ser-imobilizado-portaser-
em-florianopolis.html
5 Disponível em: https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-06-20/tendas-do-samu-naesplanada-
dos-ministerios-atendem-31-manifestantes-tres-em-estado-grave
6 Disponível em: https://luisantoniodesouza.jusbrasil.com.br/artigos/121938304/chumbo-finovendida-
como-municao-nao-letal-a-bala-de-borracha-se-nao-mata-no-minimo-machuca-em-variossentidos?
ref=home
7 Idem.
8 Idem.
9 Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/conselho-quer-frear-uso-de-armas-nao-letais-nobrasil-
8702499
10 Disponível em: https://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2013-06-30/confusao-no-entorno-domaracana-
deixa-feridos.html
11 Disponível em: https://cidadeverde.com/noticias/92318/estudante-ferido-em-protestosdocontraoaumento-
pode-perder-visao
12 Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/mundo/oceania/caso-laudisio-spray-de-pimentapode-
ter-contribuido-para-morte,bf0873f2ef6da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
13 Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT339395-17770,00.html
14 Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/cinco-anos-apos-morte-de-gari-duranteprotesto-
em-belem-familia-nao-foi-reparada-pelo-estado-e-prefeitura.ghtml
15 Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/mundo/oceania/caso-laudisio-spray-de-pimentapode-
ter-contribuido-para-morte,bf0873f2ef6da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
16 Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/defensoria-do-df-pede-proibicao-de-armas-naoletais-
em-protestos-8818988
17 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/12/video-mostraprisao-
de-jornalista-durante-protesto-contra-tarifa-de-transporte-em-sp.htm
18 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/12/video-mostraprisao-
de-jornalista-durante-protesto-contra-tarifa-de-transporte-em-sp.htm
19 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/13/reporter-da-tvfolha-
e-atingida-no-olho-por-bala-de-borracha-durante-protesto-em-sp.htm
20 Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1294799-em-protesto-seis-reporteresda-
folha-sao-atingidos-2-levam-tiro-no-rosto.shtml
21 Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1296055-video-mostra-fotografo-dafolha-
apos-ser-ferido-em-protesto-veja.shtml
22 Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,fotografo-do-estado-foi-atropeladopela-
policia,1042526
23 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5w1fxiXxdbw
24 Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/sp-fotografo-do-terra-e-presodurante-
cobertura-de-protesto,245a815136f3f310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html
25 Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/reporter-do-terra-e-agredido-pelapm-
em-protesto-em-sp,16ff6123c404f310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html
26 Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/policia/reporteres-da-folha-levam-tiros-deborracha-
no-rosto-em-protesto,c7b92fd08104f310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html
27 Disponível em: https://noticias.terra.com.br/brasil/policia/pm-inicia-confronto-ataca-imprensa-e-fazde-
sp-palco-de-guerra,4d91fd3c4114f310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html
28 Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/sp-fotografo-do-estado-de-s-pauloe-
atropelado-por-viatura-em-protesto,a92bac50f254f310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html
29 Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/06/video-flagra-espancamento-dejornalista-
pela-pm-em-manifestacao.html
30 Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/06/o-depoimento-de-giulianavallone-
jornalista-atingida-no-olho-pela-pm.html
31 Disponível em: https://tvjornal.ne10.uol.com.br/bronca-24-horas/2021/05/31/video-vereadora-dorecife-
e-agredida-com-spray-de-pimenta-pela-pm-durante-ato-contra-bolsonaro-210349
32 Disponível em: https://www.nytimes.com/2012/08/27/world/americas/helmeted-volunteers-monitorstudent-
protests-in-chile.html?pagewanted=all&_r=0
33 Disponível em:
https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2013/06/25_comissao_direitos_humanos_viol
encia_manifestacoes.html
34 Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/conselho-quer-frear-uso-de-armas-nao-letais-nobrasil-
8702499

Legislação Citada



Atalho para outros documentos



Informações Básicas

Código20210304312AutorRENATA SOUZA
Protocolo31931Mensagem
Regime de TramitaçãoOrdinária
Link:

Datas:

Entrada 08/06/2021Despacho 08/06/2021
Publicação 09/06/2021Republicação

Comissões a serem distribuidas

01.:Constituição e Justiça
02.:Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania
03.:Segurança Pública e Assuntos de Polícia
04.:Assuntos Municipais e de Desenvolvimento Regional
05.:Orçamento Finanças Fiscalização Financeira e Controle


Hide details for TRAMITAÇÃO DO PROJETO DE LEI Nº 4312/2021TRAMITAÇÃO DO PROJETO DE LEI Nº 4312/2021





Clique aqui caso você tenha dificuldade em ler o conteúdo desta página
TOPO
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

PALÁCIO TIRADENTES

Rua Primeiro de Março, s/n - Praça XV - Rio de Janeiro
CEP 20010-090    Telefone +55 (21) 2588-1000    Fax +55 (21) 2588-1516

Instagram
Facebook
Google Mais
Twitter
Youtube